Sobre o possível risco de Estabelecimento Estável de uma empresa no caso de desempenho de funções por um trabalhador a partir de um Estado diferente daquele da sua residência

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No passado dia 18 de novembro, após um longo período de expectativa, o Conselho da OCDE procedeu à atualização do Modelo de Convenção para Evitar a Dupla Tributação e respetivos Comentários.

Uma das alterações mais significativas é a inclusão no Comentário ao artigo 5.º (Definição de Estabelecimento Estável) da possibilidade de um trabalhador de uma empresa que trabalhe remotamente a partir da sua própria casa (sendo que todo o Comentário equipara a casa ao que denomina como “outro local relevante”, que pode ser qualquer espaço utilizado por esse trabalhador) situada num Estado diferente daquele onde se situa a empresa, poder constituir um estabelecimento estável da referida empresa nesse Estado.

Esta inclusão decorre da crescente tendência entre as pessoas singulares (facilitada pelo uso intensivo das novas tecnologias de informação no âmbito do desempenho de funções) de se mudarem para um determinado Estado com melhor qualidade de vida, ou simplesmente por motivos familiares, sem deixar, por isso, de trabalhar para uma empresa que não se encontra situada nesse Estado.

Os novos parágrafos do referido Comentário têm como objetivo resolver as dúvidas existentes sobre a possibilidade desse trabalhador ser considerado um estabelecimento estável da empresa para a qual trabalha (no sentido de “a existência de um local fixo de negócios a partir do qual uma empresa exerce total ou parcialmente a sua atividade”) no Estado para o qual o trabalhador se mudou. Importa salientar que a OCDE parece ter deixado para um futuro próximo os comentários sobre o conceito de “agente dependente”, os quais, por agora, não são afetados por estas atualizações.

Comecemos por dizer que o Comentário não concede total segurança jurídica, uma vez que a própria OCDE já reconhece que a existência de um estabelecimento estável só pode ser determinada com base nos factos e circunstâncias aplicáveis durante um período específico, ou seja, “caso a caso” e não antes ou depois desse período concreto.

Assim, embora as diferentes situações analisadas devam ser objeto de assessoria especializada, as orientações que se apresentam a seguir parecem razoáveis e podem resumir-se brevemente dizendo que existirá um estabelecimento estável quando a empresa “beneficie” do facto de o trabalhador desempenhar as suas funções no outro Estado. Por outro lado, não existirá estabelecimento estável quando a presença do trabalhador nesse Estado seja irrelevante para a empresa ou quando essa presença seja motivada pela necessidade de reter ou cuidar do trabalhador dentro da empresa.

Apesar do acima exposto, o Comentário ao artigo 5.º estabelece claramente alguns casos em que não se considera existir um estabelecimento estável (EE):

  1. Em conformidade com a definição de estabelecimento estável, exige-se que se trate de um local “fixo”. Portanto, requer-se um certo grau de permanência, sendo insuficiente uma situação temporária.
  2. O mesmo se aplicar ao tipo de atividade exercida pelo trabalhador: não existirá estabelecimento estável se apenas desempenhar funções auxiliares ou atos preparatórios da atividade principal no outro Estado.
  3. O simples facto de o trabalhador utilizar um determinado local exclusivamente para realizar atividades relacionadas com os negócios da empresa não significa que exista um estabelecimento estável.
  4. A casa (ou outro local relevante, como um espaço de co-working, alojamento temporário, casa de férias, casa de um amigo, etc.) não será considerada um EE se o trabalhador desempenhar funções para a empresa a partir dessa casa por menos de 50% do seu tempo total de trabalho durante um período de doze meses com início ou fim no ano fiscal em causa; pelo contrário, se o tempo dedicado pelo trabalhador for superior, então a existência de um EE será determinada pelos factos e circunstâncias de cada caso.
  5. Para existir um EE de uma empresa, deve haver uma razão comercial para as atividades realizadas pelo trabalhador a partir de sua casa ou local equivalente nesse outro Estado, e deve haver um nexo causal entre a presença do trabalhador em sua casa ou outro local relevante e a atividade realizada nesse Estado. Por exemplo, existirá uma razão comercial nos seguintes casos (a lista é meramente exemplificativa): quando a presença do trabalhador facilite o acesso da empresa a determinadas pessoas ou recursos nesse Estado; quando a casa do trabalhador substitua um local que a empresa teria de arrendar; quando a presença do trabalhador torne mais fácil o contacto direto com clientes ou fornecedores; quando o trabalhador procure novos mercados; mantenha interações em tempo real com clientes ou fornecedores localizados em diferentes fusos horários; realize reuniões presenciais com académicos que desenvolvam investigação para a empresa; colabore com outras empresas, etc. Tudo isto deve ocorrer com continuidade e não apenas ocasionalmente. Não haverá EE se a empresa permitir que o trabalhador desempenhe as suas funções a partir do outro Estado apenas para captar ou reter esse trabalhador.
  6. Também não existirá um EE quando a empresa permitir que o trabalhador trabalhe a partir desse outro Estado para economizar em infraestrutura, como escritórios ou despesas associadas.

Por último, e com especial referência aos chamados “nómadas digitais”, também existirá estabelecimento estável quando a pessoa singular for a única pessoa, ou a mais importante, a conduzir os negócios da empresa. A OCDE exemplifica através do caso típico de um consultor não residente que permanece durante um longo período num determinado Estado, onde desenvolve a maior parte das atividades da sua própria empresa de consultoria a partir de um escritório instalado na sua residência. De acordo com a OCDE, esse escritório-Independentemente das considerações sobre a eventual residência fiscal da própria entidade – constituirá o local de negócios da empresa nesse Estado.

Como corolário de tudo o que antecede, apesar da grande relevância que estas alterações possam ter no âmbito tributário, devemos estar atentos à interpretação que venha a ser adotada pelas autoridades fiscais portuguesas, sem descurar a necessidade, mencionada pelo próprio Comité da OCDE, de analisar os factos e circunstâncias aplicáveis a cada caso concreto. Isto, sem prejuízo dos potenciais efeitos que esse “trabalho remoto” possa ter noutros domínios, como segurança social, laboral, dever de proteção, entre outros.

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Para mais informações, poderá contactar:

Marta Duarte Silva | Sócia
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Marta Cabugueira Leal | Associada Sénior
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