Transformação digital da justiça — Novo regime de tramitação eletrónica

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A Portaria n.º 350-A/2025/1, de 9 de outubro, entrou em vigor no passado dia 20 de outubro de 2025.

O diploma surge no contexto da estratégia de digitalização da Justiça e estabelece o novo regime geral de tramitação eletrónica dos processos judiciais, administrativos e fiscais, incluindo os serviços do Ministério Público.

Este regime enquadra-se no processo de modernização estrutural da Justiça portuguesa, alinhado com os objetivos definidos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e com a transição para um modelo processual integralmente digital.

Este diploma visa, essencialmente, (i) unificar regras e plataforma (interoperabilidade entre jurisdições); (ii) tornar obrigatório o canal eletrónico para atos processuais (incluindo numeração/descrição de anexos e comprovação eletrónica de pagamentos); (iii) reforçar a segurança (assinatura digital qualificada) e o registo automático de decisões; e (iv) reduzir o suporte físico a casos estritamente necessários.

Âmbito temporal e disposições transitórias:

Apesar de ter entrado em vigor no dia 20 de outubro de 2025, a Portaria n.º 350-A/2025/1 prevê uma implementação faseada das suas principais medidas.

Algumas disposições — designadamente as relativas a autenticação reforçada, assinatura digital qualificada e tramitação nos tribunais administrativos e fiscais (TAF) — apenas produzem efeitos em momento posterior.

Em concreto:

  1. As regras sobre acesso e autenticação (artigo 4.º, n.º 7) e assinatura digital qualificada por mandatários (artigo 5.º, n.os 3 e 4) entram plenamente em vigor a 1 de janeiro.de.2027;
  2. As disposições dos artigos 20.º e 32.º, aplicáveis aos TAF, produzem efeitos a partir da mesma data;
  3. A aplicação dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 341/2019, relativos a modelos de articulados e formulários em.procedimentos.de.massa, encontra-se suspensa até 1 de julho de 2026.

Este escalonamento temporal visa permitir que os advogados, enquanto principais intervenientes na prática de atos processuais eletrónicos, adaptem gradualmente os seus procedimentos de acesso e autenticação às novas exigências tecnológicas e.formais. Para empresas e instituições com volumes significativos de contencioso, esta transição terá reflexos indiretos relevantes, designadamente na coordenação com as equipas jurídicas externas, na gestão de prazos processuais e na definição atempada de estratégias de atuação em juízo.

Natureza e alcance do regime:

A Portaria n.º 350-A/2025/1 tem natureza regulamentar, mas atua sobre matérias processuais centrais, assumindo um carácter estrutural no funcionamento da Justiça.

Pela primeira vez, a tramitação eletrónica dos processos deixa de estar dispersa por diplomas setoriais, circulares e orientações administrativas, passando a assentar num regime único e obrigatório, aplicável de forma transversal a todas as jurisdições — tribunais judiciais, administrativos e fiscais — e aos serviços do Ministério Público.

Este novo enquadramento vincula todos os intervenientes processuais — magistrados, advogados, secretarias judiciais e auxiliares da justiça — à utilização da plataforma eletrónica como meio exclusivo para a prática de atos processuais.

Deixa, assim, de existir um modelo híbrido ou opcional: a tramitação eletrónica passa a ser a regra e não a exceção.

Trata-se de um regime regulamentar que, apesar da sua natureza infra-legal, reconfigura a prática processual quotidiana com impacto direto na forma como os processos são instaurados, geridos e decididos, com especial relevância para setores em que o contencioso assume uma dimensão estrutural.

Novas regras de tramitação:

A entrada em vigor da Portaria n.º 350-A/2025/1 traduz-se numa modificação profunda da tramitação processual quotidiana. Na verdade, e mais do que uma mudança tecnológica, o diploma altera práticas enraizadas, eliminando etapas intermédias e formalismos presenciais.

Entre as alterações mais relevantes destacam-se:

  1. Distribuição automática e eletrónica das ações, com eliminação da distribuição presencial e do regime de turno físico;
  2. Substituição integral da apresentação física de peças processuais por submissão eletrónica, incluindo articulados, requerimentos e documentos;
  3. Numeração e descrição obrigatória dos documentos anexos, tornando a tramitação mais estruturada e rastreável;
  4. Consulta em tempo real de despachos, decisões e tramitação, com eliminação de prazos mortos entre a prolação do ato e a sua disponibilização às partes;
  5. Pagamento exclusivamente eletrónico de custas, taxas de justiça e multas, com comprovação obrigatória no próprio processo;
  6. Interoperabilidade entre tribunais e Ministério Público, permitindo circulação imediata de atos e decisões sem remessas físicas.

Também a tramitação dos recursos passa a realizar-se integralmente por via eletrónica, permitindo ao tribunal superior aceder diretamente ao processo e respetivos apensos, eliminando remessas físicas e reduzindo tempos de processamento entre instâncias.

Na prática, estes mecanismos aceleram a tramitação processual, reduzem a intervenção manual das secretarias e obrigam os intervenientes processuais — em especial os advogados — a rever procedimentos internos para garantir o cumprimento rigoroso das novas formalidades eletrónicas.

Arquivo, suporte físico residual e gestão de prova

A Portaria n.º 350-A/2025/1 redefine de forma profunda o regime de arquivo e conservação dos processos, eliminando praticamente a intervenção em suporte físico.

Com a entrada em vigor deste novo modelo, passam a constar do processo físico apenas as peças ou documentos que a secretaria determine arquivar, nos termos legais aplicáveis. Por outro lado, a consulta de processos arquivados passa a depender de despacho do magistrado, e a conservação material de documentos é excecional e supletiva.

Na prática, a totalidade da tramitação processual passa a estar concentrada no suporte eletrónico e os advogados passam a depender integralmente da plataforma para consulta e gestão dos autos.

Em suma, a entrada em vigor deste regime assinala um ponto de viragem: a tramitação eletrónica deixa de ser uma ferramenta auxiliar e passa a estruturar todo o processo judicial. A simplificação procedimental, a uniformização de práticas e a eliminação de formalismos físicos traduzem-se numa Justiça mais previsível, mais célere e mais transparente.

Pode ler o documento completo aquí.

Para qualquer dúvida ou esclarecimento adicional, por favor contactar:

Diogo Matos Oliveira | Sócio
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Teresa Tavares Ferreira | Advogada Associada
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