Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro

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Foi publicado, no passado dia 30 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 117/2024, que procede à sétima alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio. As alterações agora introduzidas visam, sobretudo, atender à necessidade de pôr cobro à escassez de habitação e ao aumento dos seus custos, aumentando a disponibilidade de solos destinados à construção habitacional, em consonância com os objetivos preconizados pelo programa “Construir Portugal”.

Neste âmbito, e sem prejuízo de uma análise mais detalhada do diploma, destacam-se, pela sua manifesta relevância, as seguintes notas:

  • RECLASSIFICAÇÃO EXCECIONAL PARA SOLO URBANO

Permite-se, a título excecional, a criação de áreas de construção em terrenos compatíveis com áreas urbanas preexistentes, desde que fundamentada pela necessidade de proteção de valores de interesse público ambiental, patrimonial, económico e social. Mantém-se, no entanto, a proibição de construção em unidades de terra de elevada aptidão agrícola – terras classificadas como classe A1 ou solos classificados como classe A e classe B deverão manter-se como Reserva Agrícola Nacional –, e permanecem salvaguardados os valores e funções naturais fundamentais da Reserva Ecológica Nacional, bem como prevenidos os riscos para pessoas e bens.

Deixa de ser necessária a demonstração da sustentabilidade económica e financeira da transformação do solo e a reclassificação passa, agora, a ser legitimada por deliberação da assembleia municipal, sob proposta da Câmara Municipal, devendo a mesma fixar os encargos das operações urbanísticas, o respetivo prazo de execução e as condições de redistribuição de benefícios e encargos, considerando todos os custos urbanísticos envolvidos.

  • AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO OBJETIVO DO REGIME ESPECIAL DE RECLASSIFICAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 72.º-B DO DIPLOMA

O regime especial de reclassificação de terrenos para solo urbano passa a aplicar-se não apenas aos casos em que a finalidade prevista seja habitacional, mas também a finalidades conexas à finalidade habitacional e usos complementares, desde que observado o cumprimento dos seguintes requisitos cumulativos:

  • Seja assegurada a consolidação e a coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existente;
  • Pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública, ou a “habitação de valor moderado”;
  • Seja delimitada e desenvolvida uma unidade de execução;
  • Existam ou sejam garantidas as infraestruturas gerais e locais, assim como os equipamentos de utilização coletiva necessários e os espaços verdes adequados para cobrir as necessidades decorrentes dos novos usos; e
  • Seja compatível com a estratégia local de habitação, carta municipal de habitação ou bolsa de habitação.
  • INTRODUÇÃO DO CONCEITO DE “HABITAÇÃO DE VALOR MODERADO”

O diploma introduz, assim, o conceito de “habitação de valor moderado”, que se traduz em habitações em que o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125 % do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225 % do valor da mediana nacional, sendo estes valores apurados de acordo com a última estatística disponível do Instituto Nacional de Estatística, I. P., à data da celebração do contrato de compra e venda, considerando todas as transações no caso dos preços de venda.

Este conceito não se confunde, por conseguinte, com outros conceitos já conhecidos como “custos controlados”, na medida em que procura abranger o acesso pela classe média, radicando na ponderação de valores medianos dos mercados local e nacional e definindo tetos máximos para assegurar uma maior equidade.

A afetação a habitação de valor moderado e a sujeição a limite do preço de venda de cada fração autónoma de edifício em propriedade horizontal e de cada prédio urbano destinados a habitação são, assim, factos obrigatoriamente sujeitos a registo predial e, nesse sentido, os atos ou negócios jurídicos que tenham por objeto a transmissão, a oneração ou a promessa de transmissão ou de oneração dos mesmos não podem ser titulados ou realizados sem a menção desses factos e da sua inscrição definitiva no registo predial, ou em violação dos respetivos limites máximos, sob pena de anulabilidade.

Note-se, ainda, que o RJIGT passa a atribuir ao município direito de preferência após a primeira transmissão de prédios ou de frações autónomas construídas em solos reclassificados ao abrigo do Regime Especial de Reclassificação previsto no seu artigo 72.º-B.

  • REGIME PROCEDIMENTAL SIMPLIFICADO PARA ALTERAÇÃO DE PLANOS TERRITORIAIS

O regime procedimental simplificado previsto no artigo 123.º do RJIGT passa a abranger também os seguintes casos:

  • Requalificação de solo decorrente de cessação de atividades económicas ou de uso de infraestruturas ou equipamentos determinantes da qualificação da área abrangida, desde que pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública ou a habitação de valor moderado, sem prejuízo das infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva necessários e da necessidade de garantir o habitat;
  • Alteração do número de fogos ou tipologias, bem como de características de desenho urbano e de edificação sem impacto nos demais parâmetros urbanísticos;
  • Alteração da altura máxima das edificações ou volume das instalações industriais;
  • Adoção dos parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas a cedência para habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível, e de parâmetros de estacionamento público e privativo para as operações urbanísticas em que pelo menos 700/1000 da área de construção dos edifícios acima do solo se destine àquelas finalidades, nos termos previstos na lei; e
  • Previsão da possibilidade de majoração até 20% do índice de construção aplicável em áreas específicas a delimitar pela alteração simplificada, na condição de pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo correspondente à majoração ser afeta a habitação pública ou a habitação de valor moderado.
  • SUSPENSÃO DAS NORMAS RELATIVAS ÀS ÁREAS URBANIZÁVEIS OU DE URBANIZAÇÃO PROGRAMADA

Os planos municipais ou intermunicipais que até 31 de dezembro de 2024 não tenham incluído as regras de classificação e qualificação previstas no RJIGT na totalidade do território do município ficam sujeitos, até à inclusão das referidas regras, à suspensão das normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada, como tal classificadas nos planos territoriais em vigor, não podendo, nessa área, e enquanto durar a suspensão, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a ocupação, uso e transformação do solo, sob pena de nulidade desses atos.

Excetuam-se desta suspensão as áreas urbanizáveis ou de urbanização programada que tenham adquirido, entretanto, as características de solo urbano, ou até ao termo do prazo para execução das obras de urbanização que tenha sido definido em plano de pormenor, por contrato de urbanização ou por ato administrativo de controlo prévio. A eficácia destas exceções depende, porém, da emissão de declaração, pela Câmara Municipal, com a identificação e delimitação das áreas objeto da exceção, e respetiva transmissão à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente.

Como corolário do espírito subjacente a esta alteração ao RJIGT, a suspensão das referidas normas não prejudica, todavia, a realização de operações urbanísticas cuja finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares, aplicando-se o procedimento de reclassificação do solo especificamente previsto para estas finalidades.

  • ENTRADA EM VIGOR

O Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, entra em vigor 30 dias após a sua publicação – i.e., em 29 de janeiro de 2025 –, sem prejuízo da entrada em vigor, no dia 31 de janeiro de 2024, das normas relativas à suspensão das áreas urbanizáveis ou de urbanização programada.

Para mais informações, contactar:

Gonçalo Rhodes | Local Partner
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Bernardo Silveira | Advogado Coordenador
bernardo.silveira@pt.Andersen.com