Novo Regime da Reabilitação dos Edifícios (Decreto-Lei nº 95/2019)

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Contributos para uma legislação mais racional e promotora da conservação do edificado existente – Alguns comentários

Foi publicado no passado dia 18 de julho o Decreto-Lei nº 95/2019 que vem estabelecer “o regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas”, total ou predominantemente afetas ao uso habitacional.

Em rigor não se trata de uma nova “codificação” ou tampouco de um novo “regime jurídico unificado”, mas sim de uma iniciativa normativa que pretende alterar vários diplomas técnicos com princípios comuns, corrigindo soluções menos felizes dos regimes técnicos vigentes, e definindo a elegibilidade ou não a regras mais flexíveis e ajustáveis em função da legislação que era vigente à data de construção dos mesmos (o que exclui, por exemplo, edifícios de génese ilegal que de moto próprio à data da construção não cumpriram a regulamentação técnica aplicável).

Do ponto de vista dos princípios jurídicos que devem presidir às atividades materiais de reabilitação urbana não há propriamente uma “revolução”. Desde a vigência do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro que os princípios da proteção do existente e a promoção da sustentabilidade ambiental, cultural, social e económica dos espaços urbanos edificados se constituíram como objetivos a seguir. É de concluir, no campo mais programático, que se trata agora de dar uma “nova roupagem” ou de um sublinhar das prioridades face a princípios e conceitos em operação há pelo menos uma década agora sob o aforismo “reabilitar como regra”.

No nosso entender o que de mais relevante resulta deste diploma, ou melhor, o que resultará quando forem publicadas as portarias de desenvolvimento durante o mês de setembro, é a concretização de normas jurídicas não prescritivas que permitirão ultrapassar a costumeira rigidez dos diplomas técnicos. Regra geral, a legislação técnica da construção de edifícios tanto se aplica a edifícios novos como a existentes, verificando-se que a ambição “plana” do legislador podia revelar-se “inaplicável” face à realidade construída. Assim, e de futuro, será a concreta situação do edifício, e subsequente apreciação justificada das equipas projetistas a determinar o “quantum” de ajustamento admissível face às regras gerais. Pode estar por isso a chegar ao fim o tempo em que eram as portarias ou os regulamentos a ditar ex cathedra como se faria, de princípio a fim, a obra de reabilitação independentemente do edifício concreto ou da sua data de construção.

Este objetivo de adaptabilidade, para uma “melhoria proporcional e progressiva” do parque habitacional, é a concretização do Projeto legislativo “Reabilitar como Regra” (RCM Nº 170/2017, de 9 de novembro), estabelecido na presente legislatura em que um dos objetivos resultaria na definição de normas técnicas não prescritivas ajustáveis a este desiderato simplificador e flexível (a ser definido por um Grupo de Trabalho de elevado prestígio institucional).

Este “pragmatismo”, a constar das novas portarias regulamentadoras, resulta das conclusões de um grupo de trabalho onde colaboraram entidades públicas e privadas, em que destacamos o Fundo Ambiental, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., o Instituto Pedro Nunes da Universidade de Coimbra, entre outros. 

Não está em causa qualquer apologia do “facilitismo”, mas sim garantir, com uma perspetiva mais casuística e pragmática, que de toda e qualquer obra de ampliação ou alteração nos edifícios elegíveis resultará, sem margem para dúvidas, a “melhoria proporcional e progressiva” do existente, e que nenhuma intervenção de reabilitação possa vier a ficar bloqueada por normas técnicas mais vocacionadas para construção ex novo. Esta nova abordagem é introduzida nos diplomas técnicos de segurança contra incêndio, acústica, certificação energética, acessibilidade a edifícios e telecomunicações.

Em sentido corretivo, e atendendo às fortes críticas que sempre suscitou desde a sua entrada em vigor, o RERU- Regime excecional de Reabilitação Urbana (Decreto-Lei nº 53/2014, de 8 de abril) é agora revogado. O RERU conferia a possibilidade de elegibilidade para benefícios fiscais das obras de reabilitação onde que por vontade dos proprietários se excluíam ab initio intervenções de reforço sísmico (ainda que com parca justificação, normalmente económica). Daqui resulta que uma das alterações mais significativas é, a par com a revogação do RERU,  a definição para efeito da realização de obras de reabilitação, que quando a situação estrutural do edifício assim o justifique ( tipo de obra ou estado de conservação), passa  a ser necessária a produção de um “relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica”, previsto em Portaria do Governo, que se junta aos habituais projetos de arquitetura e especialidades.

Em termos mais esquemáticos o Decreto-Lei nº 95/2019 altera os seguintes diplomas legais:

  • Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro (novo artigo 14º-A) – Regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios;
  • Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de agosto (alteração do artigo 30º., aditado o artigo 29º.-A) – Sistema de Certificação Energética dos Edifícios e Regulamentos de Desempenho Energético de Edifícios de Habitação, Comércio e Serviços;
  • Decreto-Lei n.º 129/2002, de 11 de maio (alteração artigo 5º.) – Requisitos Acústicos;
  • Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto (alteração do artigo 2º. e aditado o artigo 9º. A) – acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais;
  • Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio (alteração artigo 59º.) – infraestruturas de comunicações eletrónicas.

O mesmo decreto revoga também os seguintes diplomas:

  • Decreto-Lei n.º 235/83, de 31 de maio – Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/83, de 31 de maio, no que diz respeito à aplicação a estruturas para edifícios;
  • Decreto –Lei n.º 349 -C/83, de 30 de julho – Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado (apenas quanto à aplicação a estruturas de betão para edifícios).
  • Decreto-Lei n.º 211/86, de 31 de julho- Regulamento de Estruturas de Aço para Edifícios;
  • Decreto n.º 41658, de 31 de maio de 1958 -Regulamento de Segurança das Construções Contra os Sismos;

As portarias de desenvolvimento com os novos guiões técnicos têm publicação prevista até 16 de setembro de 2019.

De referir que os procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas de reabilitação de edifícios ou frações autónomas que estejam pendentes à data de entrada em vigor do presente Decreto-lei – 15 de novembro de 2019 – ser-lhes-á aplicável o disposto no Decreto-Lei 53/2014, de 8 de abril.

 

Manuel Alexandre Henriques

Advogado  Lawyer

manuel.henriques@AndersenTaxLegal.pt