Parlamento Europeu: Que importância?

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Realiza-se no próximo dia 26 de maio a 9ª eleição por sufrágio direto para o Parlamento Europeu. A campanha eleitoral deste ano encontra-se fortemente marcada, em alguns países europeus, pela perspetiva de crescimento eleitoral de forças extremistas (e nacionalistas) em vários países e também pelo próprio processo do Brexit (este último a prometer deixar marcas forte na Economia Europeia, e em termos do resultado eleitoral ameaçar “reduzir a cinzas” alguns partidos britânicos tradicionais).

O artigo 10º/2 do Tratado da União Europeia estabelece que “Os cidadãos estão diretamente representados, ao nível da União, no Parlamento Europeu”. O Parlamento Europeu é, atualmente, constituído por 751 deputados, dos 28 estados membros, como previsto e em vigor desde o Tratado de Lisboa (2007) onde o direito de eleger e de ser eleito se tornou um direito fundamental (artigo 39º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). Com a muito provável saída do Reino Unido (Brexit) durante o ano em curso (até 31 de outubro), o Parlamento Europeu reduzirá a sua composição para 705 deputados.

E que evolução tem tido o Parlamento Europeu nas últimas décadas? Até 1976, embora os Tratados já permitissem a eleição direta, os eurodeputados eram nomeados pelos parlamentos nacionais de cada Estado-Membro, razão pela qual se dizia terem um duplo mandato. Foi apenas na Cimeira de Paris, realizada em 9 e 10 de dezembro de 1974, que se determinou a realização de eleições diretas para o Parlamento Europeu, democratizando a Instituição. O Conselho Europeu executou esta disposição – Ato de 20 de setembro de 1976 relativo à eleição por sufrágio universal direto – antes das primeiras eleições, em 1979.

Uma tendência dos últimos 40 tem sido o reforço da importância política e institucional do Parlamento Europeu. Com a vigência do Tratado de Lisboa o Parlamento passou a poder tomar a iniciativa de rever os tratados e convocar até uma convenção para a preparação de futuras alterações a estes. Contudo, pode dizer-se ainda, e talvez ao arrepio das proclamações de campanha eleitoral, que o Parlamento Europeu, tendo crescido de importância, continua a ter um papel “menor”, embora ruidoso, na decisão política e nas grandes decisões legislativas face à Comissão Europeia e ao Conselho Europeu. Por exemplo a escolha do “Governo” da União Europeia (Comissão Europeia) só indiretamente será uma competência do Parlamento Europeu na medida que cabe a este, apenas, confirmar ou não, a escolha que o Conselho Europeu submete à sua apreciação mas não ter essa iniciativa ( diferente seria se, por exemplo, Presidente da Comissão e Comissários fossem obrigatoriamente e por força dos Tratados deputados europeus – o que não acontece). O contraste com o Parlamentarismo clássico é por isso claro, em virtude de o Parlamento Europeu não ter competência direta na escolha da Comissão e dos Comissários, e apenas ter o poder de “derrubar” a Comissão, através de uma moção de Censura, em condições muito especiais – e que até à data nunca se verificaram – na medida em que os tratados exigem uma maioria de dois terços dos votos expressos (artigo 17.º, n.º 8, do Tratado da União Europeia e artigo 234.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia).

As razões deste “papel diminuído” são jurídicas (Tratados) mas também políticas. Desde a primeira hora o Parlamento Europeu, embora representante dos povos da Europa, devia centrar o seu objeto no interesse coletivo europeu – é esse o espírito dos Tratados. É certo que pode sempre argumentar-se que o interesse da parte beneficia o todo. Contudo, e como podíamos constatar num debate realizado esta semana na RTP, os candidatos portugueses a eurodeputados digladiavam-se sobre quem seria o mais patriota, na questão de assumir (e com que contundência) o compromisso de chumbar uma medida relacionada com o corte dos Fundos Comunitários a Portugal. Nos outros países a questão é análoga. Para eleitos e eleitores INTERESSA sobretudo saber “quem melhor representa a Comunidade Nacional de origem na repartição dos recursos”.  A própria campanha eleitoral deste ano não tem fugido às questões estritamente nacionais (cativações, professores, reformas estruturais, etc.) e são estas que no fundo animam eleitores e eurodeputados, estes últimos enquanto emanações de correntes políticas nacionais e só mais remotamente europeias. Seria possível algum eurodeputado votar declaradamente por uma medida de desfavor (relativo) do seu país de origem, a troco de ser uma boa medida para o conjunto dos países europeus? Pensamos que apenas um nicho de eleitores, relativamente minoritário, poderia apoiar este “proselitismo europeísta”. Isto para concluir que a atividade política europeia, inserida em comunidades que se sentem mais nacionais do que europeias, continua a ser essencialmente nacional e intergovernamental. São ainda os “interesses nacionais” e não os “interesses europeus” a prevalecer.  Na realpolitik europeia, e a espaços, são os países mais representativos a impor, por cima dos Tratados e em diretório, as agendas nacionais e as alterações estruturais aos tratados.  Veja-se por exemplo a recente discussão Franco-Alemã acerca dos “campeões nacionais”, ignorando em absoluto o direito comunitário da concorrência.

Em conclusão, não se questiona o importante papel que os eurodeputados podem desempenhar no atual contexto europeu, e o papel cada vez mais interventivo do Parlamento no processo politico e legislativo europeu, mas não se deve valorizar em excesso a sua capacidade de alterar o “rumo dos acontecimentos” pois os próprios Tratados valorizam mais a (casuística) ação intergovernamental do Conselho Europeu e a máquina burocrática da Comissão Europeia, mais próximas do “sentir” dos cidadãos europeus.

 

Manuel Alexandre Henriques

Advogado